Aos 24 anos
Desculpa desde já o linguajar.
Já virou hábito acordar e ser bombardeada por alguma polêmica nessa internet. Não me leve a mal, eu acho ótimo, e é pra isso mesmo que eu tô aqui e normalmente eu apenas observo do meu canto bem Trinity Taylor mesmo.
Então quando hoje a minha timeline começou a falar de um certo texto maravilhoso da UOL eu pensei “opa, mais um dia normal”, mas antes que eu pudesse pegar meus bons drink pra ver a discussão se espalhar eu me dei conta de que aquele texto, entitulado “Tá criticando a Mallu, mas o que você conquistou aos 24 anos?” falava comigo. Afinal de contas, eu critico a Mallu e tenho 24 anos no momento em que escrevo esse texto. Mais público-alvo que isso impossível né mores.
Rapidamente redigi um belo tweet e fui prontamente aplaudida pelos meus amigos. No tweet, eu falo algumas coisas que eu já fiz com 24 anos, segue em anexo:
Duds acessível: o tweet diz “Tenho dois diplomas, nome em dois livros publicados, já fiz mesa redonda na maior universidade de São Paulo e moro na Irlanda.”
Eu poderia ir mais além. Aos 24 anos eu já fiz duas tatuagens, estou tirando meu certificado de inglês, trabalhei ativamente por 5 anos seguidos em posições de extrema confiança no maior evento de arte, design e criatividade da América Latina, e atualmente trabalho para uma das maiores páginas do Facebook, o Indiretas do Bem, do lado de pessoas que admiro e posso dizer que sou absurdamente feliz no que eu faço.
Lembra do 100% de aproveitamento como o Real Madrid sobre o qual já conversamos? Posso dizer que vivi 24 anos com 100% de aproveitamento até agora. Pelo menos G4 no Brasileirão. Seguindo muito bem as instruções do professor.
Mas porra, pera aí. A discussão vai MUITO além disso e toca em uma região onde o Sol não bate que nem o Mufasa consegue apontar pro Simba.
Isso porque, como bem lembrado por meus amigos em resposta ao meu tweet (não sou nada sem eles), essa afirmação da UOL já cai por terra quando lembramos de três coisas.
1. Não ser racista é uma questão de puro bom senso.
Uma coisa que a gente não tinha nem que discutir mais. Até porque, não falar merda em rede nacional já é o mínimo que se espera de um artista cuja voz tem o alcance que tem.
2. É muito fácil conquistar coisas aos 24 anos quando se é branca e vem de família rica que te permite vestir a faixa de “acredite nos seus sonhos” sem culpa. Caralho, é muito fácil conquistar as coisas até sendo de classe média.
Até porque, eu não sou branca mas estou aqui digitando esse texto da minha cama, na Irlanda, embora tenha juntado dinheiro pra isso por 2 anos. Eu tinha um trabalho pra me ajudar a juntar dinheiro e moro com meus pais. Um luxo de pouquíssimos.
Em certo momento o texto diz: “A vida reservada que ela escolheu, viver fora do país, casar com um cara mais velho, não querer mostrar a filha, são opções que ela escolheu para si. Decisões que não podem colocar em xeque o talento e as conquistas da artista.” Se você, ser humano que está lendo esse texto agora acha que isso soa como discurso pra defender a famosa ~meritogracinha, você não está sozinho.
Veja bem, eu concordo que trabalhar pelo que quer tem seus louvores, dado que isso é algo com o qual eu mesma posso me identificar. Assim, de cabeça, eu posso citar duas amigas que ralaram para estar onde estão, uma delas que inclusive se pronunciou sobre o assunto. A Michele, que aos 24 anos pode dizer que pagou uma faculdade fazendo dois estágios ao mesmo tempo só deus sabe como, e a Julia, que aos 23 pode dizer que tem uma loja bem sucedida não só em tamanho mas em alcance com ativismo feminista. E, amigos, sendo miga pessoal da Xúlia eu posso dizer o quanto não foi o famoso fácil™.
Eu não sei vocês, mas eu consigo ver a diferença entre Mallu e as minhas amigas, e ela é bem clara.
Pra começar que uma declaração racista de uma das duas e uma insinuação a um inexistente-porém-incrivelmente-sempre-presente-em-discurso-de-gente-branca racismo reverso seria obviamente repreendido por mim ou outras amigas, e não virando texto da UOL defendendo qualquer uma das duas sob o argumento infantil e desonestíssimo (pra não dizer outra coisa) de “quantas bobagens você, internauta, proferiu aos seus 24 anos, mas ninguém ficou sabendo porque você simplesmente não é famoso?”
Sério que a gente vai jogar essa carta? Até porque, aos 24 anos, como já apontado no meu tweet, eu já participei de uma mesa redonda na USP, e posso te garantir que não foi dizendo que as pessoas que acham que branco não pode tocar samba são preconceituosas.
Mas, pra finalizar, a terceira coisa que a gente lembra com isso é talvez a mais importante de todas…
3. Aos 24 anos você não precisa ter conquistado absolutamente nada.
Juro por deus que nada vai te acontecer se você ainda estiver na primeira graduação aos 24 anos e sua maior conquista hoje foi criar coragem de ir até a aula. Ou pentear o cabelo.
Tá inclusive tudo bem não saber ainda, aos 24 anos, o que fazer de faculdade então nem ter começado uma. Tá tudo bem trabalhar no varejo ou de garçonete ou de atendente de McDonald’s aos 24 anos, são formas de trabalho como qualquer outra. Tá tudo bem só querer assistir série aos 24 anos (e aos 25, aos 30, aos 46…). Tá tudo bem ter 24 anos e passar o dia todo de pijama acordando 12h porque você precisou parar a sua vida pra tratar uma depressão. Tá tudo bem ter 24 anos e começar o tratamento só agora.
E óbvio que tá tudo ótimo ter 24 anos e celebrar as suas vitórias.
O que não tá tudo bem, no entanto, é escolher não reconhecer que o texto da jornalista Adriana de Barros não coloca só em perspectiva como damos incontáveis “segundas chances” a brancos e celebridades (normalmente duas coisas que andam de mãos dadas) dizerem o que querem sob o pretexto de “o que foi dito não anula toda uma carreira talentosa” ou “quem nunca disse uma ‘besteira’ aos 24 anos?”
E por favor, parem de colocar racismo entre aspas.