BTS revisita sua história musical em "MAP OF THE SOUL ON:E"

O grupo coreano apresentou, em dois dias de show transmitido online, hits do álbum Map of the Soul: 7 e outros sucessos dos seus 7 anos de carreira.

Duds Saldanha
9 min readOct 16, 2020
BTS antes do primeiro dia de show (da esquerda pra direita: RM, Jin, Jimin, Suga, Jungkook, J-Hope e V)

Assim como quase todo artista em 2020, o grupo coreano BTS tinha uma turnê marcada.

Anunciada em janeiro e com 38 datas, “MAP OF THE SOUL TOUR” foi adiada devido à pandemia do novo coronavírus, mas isso não impediu que, em agosto de 2020 o grupo anunciasse uma nova turnê: a “MAP OF THE SOUL ON:E”, com o diferencial de que seria online e offline. Mesmo precisando, mais uma vez, se render às restrições da pandemia e cancelar sua parte offline, a parte online foi mantida e aconteceu no final de semana do dia 10 e 11 de outubro.

O timing não poderia ter sido melhor: “Dynamite”, o primeiro single do grupo cantado todo em inglês, dominou o mundo de um jeito que Kim Namjoon (RM), Kim Seokjin, Min Yoongi (Suga), Jung Hoseok (J-Hope), Park Jimin, Kim Taehyung (V) e Jeon Jungkook estavam em todos os lugares, inclusive no topo do chart da Billboard –três vezes em 1º lugar, três vezes em 2º lugar, quebrando recordes como artistas coreanos.

Além disso, os meninos foram as atrações especiais de todas as noites do programa estadunidense “The Tonight Show”, apresentado pelo Jimmy Fallon, durante uma semana inteira, a #BTSWEEK, do dia 28/09 ao dia 02/10, e, para a surpresa de ninguém, quebrou mais alguns recordes: a semana foi a mais ativa em social media e os programas foram comentados cerca de 1300% mais quando comparados aos números da semana anterior.

Foi no meio dessa crescente –que não dá nenhum sinal de parar– que o BTS subiu em um palco “real” (sinceridade aqui: qualquer chãozinho que eles pisam vira palco para tanto talento!) pela primeira vez em muitos meses. Os dois dias de shows foram exibidos ao vivo do KSPO Dome, um ginásio dentro do Parque Olímpico de Seul, na Coreia do Sul, e o grupo apresentou músicas de seu mais recente disco Map of the Soul: 7 e algumas outras que os fãs não viam ao vivo há algum tempo.

Um dos 4 palcos.

“Nós estamos passando por um reboot: nosso segundo single foi 'N.O.', o contrário de 'ON'”, disse RM em fevereiro em entrevista ao Jimmy Fallon, na época do lançamento do disco e do primeiro single, quando perguntado sobre o primeiro trabalho do Map of the Soul: 7. O título, que faz alusão ao “Mapa da Alma”, resumo feito por Murray Stein da psicologia analítica como desenvolvida por Carl Jung, não poderia ser mais perfeito: o disco tem uma conversa extremamente franca sobre personas que fabricamos pro mundo, a sensação de pertencimento, nossa psique e ego. E esses conceitos estavam mais do que presentes em “ON:E”, uma vez que o BTS viu, nesse setlist, a oportunidade perfeita para revisitar sua própria carreira e suas mentes, individualmente.

A dualidade entre “ON” e “N.O.”, mencionada por RM, apareceu logo de cara, por serem as duas primeiras músicas do setlist. A terceira música, “We Are Bulletproof Pt.2” veio pra carimbar o início de uma viagem que é interna, mas que convida todo o ARMY, como são conhecidos os fãs do grupo, para ir junto e se perguntar: quem diabos é você?

Ao contrário de sua última turnê, Love Yourself: Speak Yourself, o resto do setlist não necessariamente se alternou entre os já conhecidos VCRs (transições em vídeo exibidas para o público e que são usadas para que os meninos troquem de figurino e para que eventuais mudanças no palco sejam feitas) e as músicas solos, e sim se preocupou em efetivamente contar a história de autoconhecimento que já estávamos esperando, tendo 4 dos 7 solos sido apresentados um em sequência do outro. Os únicos que foram separados por outras músicas ou por transições de vídeo foram os solos da chamada “rap line”, composta pelos 3 rappers do grupo: RM, Suga e J-Hope. E é fácil entender por quê.

As 3 faixas-solo de rap, "Intro: Persona" (introdução), "Interlude: Shadow" (interlúdio) e "Outro: Ego" (conclusão) são os três principais conceitos que guiam a história que o BTS conta no álbum, e elas cumprem muito bem esse papel. São solos que, ao mesmo tempo que são extremamente pessoais, são também carregados de conceitos atemporais e que geram uma identificação quase instantânea, e por isso funcionam tão bem enquanto principais pontos que seguram essa história.

Apresentadas depois da introdução e interlúdio de "Persona" e "Shadow", as 4 faixas-solo da “vocal line”, composta pelos 4 cantores do grupo (Jin, Jimin, V e Jungkook), não ficam nem um pouco atrás em narrativa. As músicas foram uma sequência única de um pensamento que começa com uma reflexão sobre pressão –tanto interna, quanto dos pais, quanto da sociedade–, ("My Time" e "Filter") passando por um lugar de pertencimento e sobre como é sentir que só se é alguém quando outra pessoa te vê de verdade ("Moon") e terminando em uma conversa com a criança interior sobre as mudanças que o dia seguinte vai trazer ("Inner Child").

Aqui cabe o destaque à performance de "Filter" enquanto narrativa. Interpretada por Park Jimin, a música é uma das mais poderosas liricamente de um jeito que você demora pra perceber o que te atingiu. E se é teoricamente difícil ser tocado pelo significado de uma música em uma língua que você não entende, a performance fez com que a mensagem ficasse extremamente clara: Jimin começou a performance sozinho no palco, flertando com um manequim que usa roupas “femininas”, e conforme os dançarinos se aproximavam dele, ele foi despindo as roupas ditas femininas como se as vestir fosse errado. Durante toda a performance a partir daí, Jimin brincou com suas roupas de um jeito que nos fez entender que aquilo que vestimos pode estar diretamente conectado ao que se espera de nós: uma performance binária de gênero. “Qual ‘eu’ você quer? Escolha o filtro,” diz a letra, e qualquer um entende isso, mesmo sem saber coreano. É o que acontece quando uma performance é extremamente bem feita.

Das performances coletivas, quem se destacou mais foi “Black Swan”, o carro-chefe do disco, em uma apresentação que mesclou a versão de estúdio com a versão orquestrada e onde Jimin mais uma vez se destacou, entregando emoção através da dança moderna.

A maior dualidade do BTS, a capacidade de fazer uma boa e poderosa crítica contraposta à facilidade que os membros têm de cantar uma letra que abraça musicalmente, segue muito bem, obrigada, representada por "UGH!" e "00:00 (Zero O’Clock)", apresentadas uma seguida da outra.

“As ações de um levam a dor a outro, as palavras de um tiram a esperança de outro, um segundo pra você vira a memória de outro, a raiva de alguém pode custar a vida de outra pessoa” é um dos versos do rap de J-Hope em UGH!, e não por coincidência a performance foi montada em um ringue de boxe quase ilegal, onde uns brigam para o entretenimento de quem assiste.

No palco seguinte, V, Jin, Jimin e Jungkook cantaram que, quando o ponteiro dos minutos e das horas se juntarem, “nada vai mudar, mas o dia vai ter terminado, o mundo vai segurar a respiração por um momento e você vai ser feliz.”

“Agora nós vamos avançar para etapas que são um pouco mais difíceis,” é o trecho inicial de "Ego", o último solo a ser apresentado. Apesar de ter um ritmo que já flerta com o que viria a ser "Dynamite", o próximo single da banda 6 meses depois, seu significado não poderia ser mais diferente. Enquanto "Dynamite" é sobre recuperar a energia e o entusiasmo de brilhar e permanecer no topo em momentos difíceis, "Ego" é sobre reconhecer o quão difícil foi chegar nesse ponto em que você pode e deve ter orgulho de si mesmo, e sobre finalmente fazer as pazes com tudo aquilo que você é por mais complicado que seja.

Depois de dar a história de “Map of the Soul: 7” por encerrada, os últimos blocos do show foram dedicados ao que fez o BTS ser o BTS que conhecemos hoje, tanto os hits gigantes como "DNA", "Idol" e o próprio "Dynamite", quanto os hits que estão nos corações dos fãs mesmo depois de tanto anos por serem a essência do que é o grupo como "Dope", "No More Dream" e "Spring Day", essa última tendo virado um grande hino de apoio entre o grupo e os fãs nesses tempos de isolamento –"Que esse inverno congelante acabe, e a primavera chegue de novo."

E por falar em apoio entre o grupo e os fãs, os dois dias de shows mostraram mais uma vez o tamanho e a intensidade da ligação que o ARMY tem com o BTS, e o quão honesta é a relação entre os dois. E quando olhamos os números isso fica ainda mais evidente: cerca de 993,000 pessoas assistiram aos shows, simultaneamente, o que é quase o número de 40 shows da última turnê dos meninos.

"BTS ama ARMY", iluminado em um dos palcos dos shows.

O clima era de felicidade e dever cumprido, claro, mas uma felicidade bem azeda. Nos discursos de despedida do primeiro dia, J-Hope falou sobre estar 80% feliz mas 20% frustrado com a situação, de estar tão longe dos fãs, fisicamente falando. Jimin tem o discurso mais emocionado de todos: “Enquanto nos preparávamos para esse show eu senti que muito disso é injusto. Não sei porque temos que passar por isso.” Os outros membros também falaram sobre suas frustrações e sobre o quão difícil é não ter controle de certas coisas. Jin garantiu que quando BTS e ARMY se encontrarem, a energia vai ser duas ou três vezes maior, Suga falou sobre as dificuldades da indústria musical nesse momento, Jungkook falou sobre a felicidade de ter pelo menos essa experiência com o ARMY.

RM fechou os dois dias de show com mensagens muito positivas e que explicam porque ele é um dos maiores compositores coreanos em atividade. Enquanto o primeiro dia foi sobre escrever novos finais, “Vamos dar um jeito, a gente sempre dá. E se não tiver jeito, desenhamos um novo mapa”, o segundo dia foi sobre gratidão pela tecnologia nos dar a oportunidade de nos vermos mesmo que dessa forma quase torta que é uma vídeo conferência, e que virou uma realidade não só para assistir a shows mas para ver nossos amigos.

Como já era de se esperar, os meninos usaram a MAP OF THE SOUL ON:E para encerrar essa jornada do mapa da alma. “Nós estamos no último passo dessa jornada”, RM começa, “Nós marcharemos para sempre juntos, cada um cantando uma história diferente em um idioma diferente, balançando incontáveis bandeiras de diferentes cores.”

Sem a pretenção de cair em romantização de tragédia, é um diferente tipo de magia perceber que os fãs viveram toda uma era do BTS cada um em suas casas, esperando pelo melhor, e sendo forçado a conviver consigo mesmo e a repensar planos e nosso lugar no mundo, exatamente a mensagem principal que o disco traz. Se 2020 nos deu poucos motivos para acreditar e poucas boas notícias, eu me vi enquanto fã mais uma vez agradecendo a oportunidade de poder refletir sobre tudo e sobre nada, enquanto tinha a certeza de estar ouvindo uma boa música com letras poderosas. Enquanto o resto do ARMY lamenta que a era tenha “morrido novinha”, nós viveremos para sempre as consequências não só de viver uma pandemia (no aspecto pessoal e no aspecto coletivo e governamental) como também de mergulhar tão fundo no autoconhecimento, e talvez esse seja seu maior legado.

RM finalizou reforçando que o BTS não é a história de apenas 7, e sim a história de todo mundo ali naquele momento e ao longo de toda a carreira.

Mesmo depois de todas as palavras de conforto, ainda houve uma última música a ser cantada. "We Are Bulletproof : The Eternal" é justamente sobre como você pode até começar uma jornada sozinho, mas nem sempre vai terminá-la sozinho.

Todas as imagens usadas nesse texto foram retiradas do Twitter oficial do grupo.

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Duds Saldanha
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Written by Duds Saldanha

27 anos. Brasileira. Criadora de conteúdo, ilustradora e blogueira de comportamento e de esporte. http://linktr.ee/ddsaldanha

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