Por que Miles Morales como Homem-Aranha é tão importante?

Antes de mais nada, saiba que esse não é o texto de uma especialista em quadrinhos, e sim o texto de uma especialista em assistir a luta diária dxs negrxs celebrando mais uma pequena vitória.
Muito embora eu queira focar esse texto na importância simbólica do Miles pra essa história toda, acho importante ressaltar o contexto por trás disso.
All-New, All-Different Marvel

A não ser que você tenha (1) passado boa parte do final do ano passado e começo desse ano numa caverna ou (2) não dê a mínima para o universo dos quadrinhos –seja ele Marvel ou DC–, você está ciente de que a Marvel está passando por uma importante transição. Depois de 76 anos com a mesma linha de raciocínio, a empresa vai dar um reboot em si mesma, e, por que não, em sua própria ideologia.
O universo da Marvel nos quadrinhos tal como o conhecemos terá seu fim após o arco das Secret Wars, e o grande retorno já tem data para acontecer: dia 1º de julho, daqui a poucas semanas. A partir dessa data, a Marvel vai lançar revistas #1 de todos os seus personagens, afinal, não é um reboot se não começar de novo. Isso quer dizer que você pode começar a ler todos os #1s que saírem a partir do dia 1º de julho e SIM, você estará COMEÇANDO a história daquele personagem.
Em uma tentativa de “honrar os 76 anos e ao mesmo tempo dar importantes passos com ousadia (e alegria) e pontos de entradas mais acessíveis,” diz David Gabriel, responsável por Vendas e Marketing da Marvel, a empresa apostará em algo que tem faltado bastante nesse universo de super-heróis desde sempre: representatividade.
Exemplos simples de alguns personagens novos que deixam clara essa intenção: um Capitão América negro; Singularidade, que é uma personagem que apesar de aparecer em A-Force –a versão feminina dos Vingadores– não tem uma identidade de gênero definida e escolhe ser uma mulher; Thor, que agora é uma mulher e já tem até discurso feminista.
O que nos traz para o ponto desse texto.
Miles Morales é o Homem-Aranha
Miles Morales é um personagem que existe desde 2011, e sua aparição em Ultimate Comics: Fallout #4 se deu pouco tempo depois da “morte” de Peter Parker, fazendo com que, nesse universo alternativo, Miles se tornasse o “Homem-Aranha alfa”, por assim dizer. O único por muito tempo durante o arco de sua história. Ele chega a aparecer em um desenho animado que foi ao ar pelo Disney XD, com a voz do Donald Glover.
Tá, e o que isso muda?
O que muda agora é que a Marvel irá lançar um #1 da revista Homem-Aranha, focada apenas em Miles! Isso não quer dizer que Peter Parker deixará de existir, muito pelo contrário, ambos personagens coexistirão, como indicado na recente arte de “All-New, All-Different Marvel”, e muito provavelmente com O Espetacular Homem-Aranha, revista já existente e protagonizada pelo Homem-Aranha do Peter. Embora sua atuação como super-herói seja meio incerta, e O Espetacular Homem-Aranha nem esteja confirmado, Peter atuará como uma espécie de mentor para Miles.
E porque isso é tão importante afinal?

Desde que o Miles existe nessa brincadeira de universo alternativo, eu fico um pouco incomodada com certos termos, como principal exemplo, o “alternativo.” Essa palavra carrega um significado muito importante que põe em perspectiva a tentativa da Marvel em fazer com que todas as crianças e adultos não-hispânicos sintam-se representados.
Pense um pouco nos seus filmes favoritos. Eles têm –espero–, um começo, meio e fim, que você assiste e pode gostar ou decepcionar-se. Meses depois, com o lançamento do DVD, eles lançam um “final alternativo” –não é o oficial, o oficial é aquele que você viu no cinema. O final alternativo serve apenas para acalmar seu coraçãozinho. É um placebo. Não conserta o que foi feito no cinema, mas “dá um jeitinho”, só pra ninguém ficar triste. Durante um tempão, Miles Morales foi exatamente isso, apenas “deu um jeitinho” para que xs crianças/jovens/adutos negrxs se sentissem representados por um personagem tão importante como o Homem-Aranha. É, entretanto, hipocrisia omitir o fato de que não há muita gente que associe o Homem-Aranha com o Miles Morales. Para a maioria esmagadora, ele continua sendo Peter Parker, o menino branco e magrelo, por mais que Miles apareça no desenho ou assuma os quadrinhos a partir de um ponto x na história de Peter.
O que a Marvel diz com o lançamento do #1 de Homem-Aranha é, em bom português: Miles não é uma alternativa, não é uma opção, não é “um jeitinho”. Miles é o Homem-Aranha. Também.
“Nossa mensagem deve ser de que esse não é um Homem-Aranha asterisco, é o Homem-Aranha real para as crianças de cor, para os adultos de cor e para todo o resto do mundo,” diz Brian Bendis, co-criador de Miles, junto com Sara Pichelli. E isso significa muito pra muitas pessoas, inclusive para mim, pessoalmente. Colocar Miles como o rosto principal do título Homem-Aranha é uma resposta da Marvel para o recente anúncio de que o Homem-Aranha incluído no Universo Cinematográfico da Marvel será o adolescente Peter Parker.
Investir para que Miles tenha um papel importante na construção dos quadrinhos da Marvel pós-Secret Wars é bater na tecla de que o mundo precisa de mais simpatia e de representatividade.
Em um universo ideal, Miles teria seu papel também no cinema, dando continuidade e credibilidade aos arcos abraçados pelo UCM, mas colocá-lo como rosto de uma edição #1 que estará disponível para todas as pessoas do mundo e não só como algo alternativo, um asterisco, como bem disse Bendis, é um importantíssimo passo.
O mundo precisa que seus heróis sejam iguais a eles, que abracem suas causas, e que lutem por seus direitos. O mundo precisa de Miles Morales!